Rio -  Uma carioca resolveu apostar na ciência que promete a vida eterna. A servidora pública Lígia Cristina de Mello Monteiro, 32 anos, conseguiu decisão favorável na 20ª Câmara Cível na batalha judicial que trava contra duas irmãs para congelar o corpo do pai, morto aos 82 anos, no dia 22 de fevereiro.


Ela alega que era vontade do militar Luiz Felippe Dias de Andrade Monteiro ser submetido a criogenia (congelamento do cadáver para possível ressurreição), mas as irmãs dizem que nunca ouviram o pedido e querem sepultar o pai em Canoas (RS).

Ligia pôs o corpo na Riopax, uma funerária brasileira no Rio. Está em um caixão de zinco com 20 quilos de gelo seco, sob a supervisão do Instituto americano Cryonics. “A minha batalha é uma prova de amor”, sustenta Ligia, filha do segundo casamento. Caso a decisão judicial seja mantida, o militar será o primeiro brasileiro criogenado.


Mas as filhas do primeiro casamento do militar — Carmem Silvia Monteiro Trois, de 51, e Denise Nazaré Bastos Monteiro, 45 — lutam pelo sepultamento. “Meu pai nunca falou que queria ser congelado. Mantínhamos contato com ele sempre. Queremos sepultá-lo no jazigo da família”, reage Carmem.

Para isso, o advogado Rodrigo Crespo vai recorrer da decisão da 20ª Câmara Cível, que não foi por unanimidade. Dois desembargadores votaram a favor do congelamento e um contra. “Agora, outra Câmara vai julgar o caso”, diz Crespo.

O presidente do Cryonics, Ben Best, garante que só recebe o paciente se todos os membros da família consentirem. Ele afirmou que se o corpo for mantido em gelo seco desde a morte e transportado para o instituto da mesma forma, a decomposição é evitada e ele pode passar pelo procedimento mesmo após meses do óbito.

Sonho de não morrer custa mais de R$ 71 mil

Para garantir a criogenia no Instituto Cryonics, é preciso pagar 28 mil dólares (R$ 57.400), se o ‘paciente’ já fizer parte do programa antes da morte. Após, são 35 mil dólares (R$ 71.750).

“O paciente é congelado até a ciência descobrir como ressuscitá-lo. Meu palpite é de que isso aconteça nos próximos 52 anos”, explica Ben Best, presidente do Instituto. Há 111 corpos no Cryonics, incluindo o do fundador, Robert Ettinger.

Duas mil pessoas no mundo manifestaram o desejo de serem criogenadas. “Vou entrar no programa. Como meu pai, quero ser congelada”, anunciou Ligia.

Fonte: Jornal O Dia

Considerando que não há legislação específica no Brasil quanto a questão da criogenia, ou seja, congelamento do corpo após a morte, o que se verifica no caso vertente seria diante da omissão legal a analogia à Lei nº 6.015/73, que dispõe sobre a cremação no § 2º, do art. 77, cuja determinação legal para tal procedimento requer manifestação expressa de vontade do morto ou em caso de interesse da saúde pública. 

Acontece que, em se tratando de direito da personalidade que inicia com o nascimento e termina com o falecimento, o que está em discussão é o bem jurídico da vontade da família. Tendo em vista, que não existe vontade expressa do de cujus. O julgador in casu poderia até considerar a prova testemunhal como manifestação de vontade. Restando, ao nosso entender a discricionalidade do juiz. 

Todavia, há se lembrar que tanto a vontade da família deve prevalecer e, para tal havendo conflito de interesses caberá a justiça decidir quanto ao procedimento da vontade pela criogenia ou pelo sepultamento de forma tradicional. Sendo que, a vontade de uma filha não deve sobrepor a vontade da maioria.

Outrossim, cumpre salientar que a tradição do sepultamento de seus mortos é um costume latino que envolve o interesse social do sentimento enlutado, pela perda do ente querido. Na qual a nossa legislação vigente é bastante cuidadosa quanto a isso.

Ademais, o aludido procedimento de congelamento do corpo do parente morto, além de ser necessário o traslado para país distante, dificultaria os rituais que por ventura associam ao culto religioso que devem ser respeitados pela vontade da maioria da família.

Retornando a questão central, trata-se de forma inusitada e no nosso entendimento contraria frontalmente as regras ordinárias, vez que ao que parece não há declaração expressa de vontade do falecido. Bem como, inexiste comprovação científica da veracidade do ressuscitamento posterior.